Entre-Rios (hoje Três-Rios), então, próspero Distrito de Paraíba do Sul, atravessava sua fase crucial no campo da Instrução. Milhares de crianças, entre 8 e 12 anos, viviam anal fabetas, por falta de um Grupo Escolar. Com uma população de mais de dez mil habitantes, En* tre-Rios possuía apenas duas Escolas públicas, que atendiam, com imensa dificuldades, a algumas centenas de alunos. O Governo Fluminense, no afã de solucionar o grave problema, ainda aue em caráter de emergência, determinou ao seu Secretário ae Instrução que comprasse para o primeiro distrito paraibano do sul um imóvel que, com algumas modificações, servisse de Grupo Escolar.
Em virtude de dirigirmos o semanário Entre-Bios, fomos incumbido de procurar o imóvel entressonhado. Manoel Pessoa de Campos, um bom rico, coração generoso, por ser Espírita Convicto, concluíra um grande e belo prédio à esquina da rua Barão de Rio Branco com a rua Barão de Piabanha, hoje Prefeito Walter Francklin. Possuía esse prédio duas grandes salas, outras menores e demais dependências com todas as instalações higiênicas. Destinava-o a sede própria do Grupo Espírita Fé c Esperança. Era apropriadíssimo para um Grupo Escolar, não precisando mesmo de nenhuma adaptação. Satisfeito com o achado, imediatamente, fomos procurar o bondoso Campos. O Governo Fluminense ofertava-lhe cento e cinquenta mil cruzeiros pelo prédio, que, segundo soubemos, ficara em oitenta. O Campos não deixaria de aceitar tão bela oferta, pensávamos, alegremente, pelo caminho, indo ao seu encontro. Recebeu-nos entre surpreso e alegre.
Falamos-lhe do nosso intento. Abrimos aos seus olhos e ao seu coração o panorama tristonho em que viviam infinidades de crianças sem instrução por falta de um Grupo Escolar e o colocamos a par do interesse do Governo Fluminense em desejar comprar o lindo prédio que acabara de construir, tão apropòsitado para o nosso desiderando.
Oferecia-lhe quase o dobro do que gastara __________________ Ouviu-nos atenciosa e comovidamente. Quando terminamos nossas considerações, com a convicção de que seríamos atendido, ele, com os olhos lacrimosos, com velada palidez no rosto, pousou-nos a mão no ombro e disse-nos: — Ramiro, sinto sinceramente não poder lhe atender e ao Governo Fluminense. É justíssimo o seu anseio e eu sofro com o que me disse. Mas, eu prometi a mim mesmo destinar o prédio, que você visitou, à sede própria do Grupo Espírita Fé e Esperança, que vai reunir em seu seio todos os espiritistas entrerienses. Será inaugurado em três de maio do ano vindouro e sua Diretoria já foi escolhida e terá como Presidente o nosso caro José Vaz, que você conhece e estima.
Um Grupo Espírita bem organizado, qual o que vamos inaugurar, acredite, é também uma Escola, a verdadeira Escola, pois que vai ensinar aos seus alunos, os adeptos do Espiritismo, a Ciência do Amor, a Filosofia do Bem, a Religião da Caridade. E, surpreendendo-nos mais ainda com o seu gesto, que não esperávamos, terminou, vaticinando: — Nesta verdadeira Escola, creia, um dia, você será um dos nossos. Alguém da Espiritualidade, talvez o Espírito do Dr. Bezerra de Menezes, um de nossos Protetores, está intuindo -me isto...
Saímos
Nossa alma estava perplexa, aturdida, não encontrando nenhuma justificativa para o ato do Campos, a nosso ver (naquele tempo) antipatriótico; gesto de um ingrato, de um an- típrogressista... E. pelo nosso jornal, no dia seguinte, exprobramos a ação antipatriótica, injustificável mesmo, do Campos. E o fizemos com ardor, com a mente obnubilada pela paixão à Causa do Ensino. Lembramo-nos de que até o chamamos, dentre outras coisas injuriosas, de Vaso Chinês, aludindo ao seu enorme físico de obeso... Nosso artigo ecoou como uma bomba no meio dos entre- rienses. Uns, mais corajosos, nos aplaudiam. Outros, mais sensatos, se aquietavam, respeitando o ponto de vista do Campos, tolhidos ainda pelos seus exemplos aignificantes de bondade e humildade que ele dava ao povo entreriense. Um jornalista, simpático ao Espiritismo, procurou-o e se ofereceu para o defender. Excusou-se delicadamente, afirmando: — Deixe o Ramiro em paz. Sua crítica ao meu espírito sem luz e até ao meu físico disforme me exercita a paciência, ensinando-me a amar e perdoar aos que me ofendem, porque sei que, noutras vidas, fiz mais do que isto, pior do que ele me tez. E um dia, ele me compreenderá...
Soubemos de seu gesto digno de um verdadeiro cristão e ficamos, já aí, doutrinado. Seu gesto era novo para nosso espírito cheio de ilusões, irreligioso, sem nenhum Roteiro certo para Deus e abrandou-nos e nos enterneceu, trazendo-nos sinceros remorsos...
E, mais tarde, inesperadamente, nos encontramos. Abraçou-nos como se nada houvesse acontecido. E tivemos, então, a felicidade de lhe sentir, de perto, a grandeza do coração e a nobreza do Espírito. Falou-nos entre amoroso e sensível: — Não me queira mal. Um dia, você me compreenderá porque não venai meu prédio ao Governo Fluminense, que já arranjou o imóvel de que necessitava, não havendo, pois, prejuízo para ninguém. E verificará, afinal, que um Grupo Espírita bem organizado, qual é o nosso como lhe disse, é uma verdadeira Escola.
È, despedindo-se e sensificando-nos: ' — E não se esqueça de que, um dia, que não está longe, você será um dos nossos... Abraçamo-lo e o deixamos emocionado. Seu convívio cristão, ainda que por momentos, nos fizera um bem imenso. Sentíamos que algo acontecia conosco... E, aos nossos ouvidos, quando caminhávamos, sozinho, pela rua 15, a caminho do lar, ecoava seu prognóstico, tão absurdo para nós que não tínhamos, nesta época, nenhuma simpatia pelo tal de Espiritismo... Mas uma semente da luz, de seu bom exemplo, nos caíra às leiras do espírito, com vistas ao Futuro...